“Reutilização de água em Portugal Importa criar incentivos financeiros”, defende CEO da Aquapor

“Reutilização de água em Portugal? Importa criar incentivos financeiros”, defende CEO da Aquapor

As ETAR ainda descarregam os efluentes tratados em linhas de água – apenas cerca de 1,1 % dos efluentes são reutilizados.

Essa água tratada poderia ser utilizada. A Aquapor desenvolveu um consórcio na Arábia Saudita com um investimento de 8,2 milhões de euros e António Cunha, CEO da empresa, quer replicar o modelo em Portugal.

O consórcio Tawzea–Aquapor, que integra a empresa portuguesa líder no setor privado das águas, implementou um projeto na Arábia Saudita, utilizando tecnologias inovadoras que permitem a reutilização de 100% do efluente tratado. Em Portugal, poderá ser replicado num contexto de crescente escassez hídrica, e em zona de grande foco de crescimento industrial, diz António Cunha, CEO da Aquapor, ao Jornal Económico.

Com um investimento de cerca de 8,2 milhões de euros, este projeto permitiu a reabilitação de uma ETAR de uma grande Cidade Industrial, com mais de 37 mil postos de trabalho, na Arábia Saudita, implementando um conjunto de soluções inovadoras que garantem a reutilização de 100 % do efluente tratado, reintroduzindo este novo recurso em mais de 684 unidades industriais com diferentes ciclos produtivos e necessidades. A água tratada é ainda utilizada para a rega dos espaços verdes, assim como para outros usos não potáveis.

Em Portugal, as ETAR ainda descarregam os efluentes tratados em linhas de água – apenas cerca de 1,1 % dos efluentes são reutilizados. Essa água tratada poderia ser utilizada em situações que não precisam de água potável (rega urbana, uso industrial, limpeza de vias públicas, controlo de poeiras, etc), para maior sustentabilidade dos recursos.

Como surgiu a possibilidade de desenvolver este projeto na Arábia Saudita?

Numa região marcada por uma escassez hídrica extrema, e considerando o desenvolvimento económico em curso, este projeto surgiu da necessidade urgente de garantir a sustentabilidade do abastecimento de água às grandes cidades industriais. Assim, no âmbito de um contrato de concessão de 25 anos para gerir o abastecimento e saneamento de água, o consórcio Tawzea–Aquapor transformou a ETAR existente numa unidade produtora de recursos, capaz de reutilizar 100% dos efluentes tratados, garantindo 0% de desperdício.

Adotou-se uma abordagem circular, em que a água residual deixa de ser considerada um subproduto e passa a ser valorizada como um recurso essencial para os processos industriais. Atualmente, esta ETAR tem capacidade para tratar 10 mil m³/dia de efluentes, estando em curso um processo de expansão faseada até 20 mil m³/dia, com uma capacidade final projetada de 40 mil m³/dia, que será ajustada à evolução dos caudais a tratar em função do crescimento dos polos industriais.

Como seria possível replicar em Portugal o modelo aplicado na Arábia Saudita (ETAR que reutiliza 100% dos efluentes tratados, garantindo 0% de desperdício)?

Em Portugal, este modelo poderia ser replicado em locais estratégicos, como o Complexo Industrial de Sines, onde existe uma elevada concentração de indústrias e um volume significativo de investimentos. Esta realidade contrasta com a escassez de água e a falta de fontes alternativas de abastecimento de água.

Neste território, a solução passaria por otimizar a ETAR existente ou desenvolver uma nova infraestrutura com capacidade para reutilizar a totalidade dos efluentes tratados, garantindo zero desperdício e promovendo uma gestão circular da água. Além da reutilização integral dos efluentes, o projeto poderia integrar fontes alternativas para processos industriais, como águas salobras ou dessalinizadas, reduzindo a pressão sobre os recursos de água doce e reforçando a resiliência hídrica da região.

Porque é que apenas 1,1% dos efluentes são reutilizados em Portugal e continua a usar-se água potável para finalidades que não exigem essa qualidade?

A reutilização de água em Portugal tem de facto um enorme potencial e é determinante para, em conjunto com outras medidas, assegurar uma gestão mais sustentável dos nossos recursos. Para promover esta reutilização, importa criar incentivos financeiros para que a água reutilizada seja mais competitiva, sobretudo quando a procura é sazonal.

Também do ponto de vista regulamentar, é importante simplificar processos e tornar as regras mais claras para promover a implementação de novos projetos. Do ponto de vista técnico, é necessário adaptar algumas das infraestruturas existentes para permitir o tratamento, transporte e distribuição da água reutilizada com segurança. Deste modo, o país estará preparado para implementar um modelo mais sustentável e alinhado com os desafios que enfrentamos.

Existe abertura do Governo e das autarquias para estudar uma solução semelhante?

Creio que a viabilização de uma solução semelhante à que foi implementada na Arábia Saudita dependerá das prioridades governativas. Mas é evidente que os desafios do setor só poderão ser ultrapassados de forma eficaz através de uma abordagem que combine esforços públicos e privados.

Neste sentido, considero que deve ser feita uma maior aposta em parcerias com entidades privadas que detêm uma vasta experiência internacional comprovada, e que podem contribuir para a inovação e para o desenvolvimento do país nesta área. Através da partilha de know how, de conhecimento e de boas práticas, é possível aumentar a eficiência e reduzir os riscos durante a execução dos projetos, assegurando a otimização de recursos e os mais elevados padrões de qualidade.

Portugal acordou em definitivo para as novas políticas de abastecimento de água com a construção das dessalinizadoras?

A dessalinização é, de facto, uma importante solução para mitigar a escassez hídrica em regiões vulneráveis. No entanto, deve ser integrada num modelo de gestão da água mais amplo, garantindo o equilíbrio e a sustentabilidade dos recursos.

Uma estratégia robusta deve, por isso, assentar na modernização das infraestruturas existentes, assegurando sistemas mais resilientes e eficientes. Em simultâneo, é crucial que seja implementado um conjunto de estratégias para combater a água não faturada, evitando o desperdício de água potável e reduzindo significativamente as perdas. Em Portugal, cerca de um terço da água que entra nas redes de abastecimento continua a ser desperdiçada devido a roturas, avarias e/ou outros desvios.

Em complemento, a massificação da reutilização de águas residuais tratadas permite substituir a água potável em usos agrícolas, industriais ou urbanos, aliviando a pressão sobre os recursos hídricos.

A transição hídrica exige, assim, uma gestão integrada e eficiente dos recursos, que inclua a diversificação das fontes de abastecimento e a promoção de práticas sustentáveis.

Fonte: Jornal Econômico


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