Consegue dizer-me quais os recursos hídricos de um país como Israel, que embora quatro vezes mais pequeno tem uma população semelhante à de Portugal, e em que metade do território é o deserto do Negev? Tem o Mar da Galileia – que é de facto um lago -, o rio Jordão, mas na verdade não tem muitos mais…
Tal como disse, o Mar da Galileia, um lago, é o único com água doce em Israel, temos o rio Jordão, mas apenas a parte norte tem água que vem do Monte Hérmon e que é a fronteira entre nós e a Jordânia. Há muitos anos fecharam a barragem Degania no lado sul do Mar da Galileia, para preservar a água. Até há pouco tempo ainda bombeávamos água do mar da Galileia e distribuíamo-la usando o nosso canal nacional.
Agora, na realidade – e é um facto desconhecido -, cem milhões de litros por ano até são bombeados para os vizinhos jordanos. Nós ajudamos os jordanos porque é mais fácil para nós e acordámos isso com eles.
Em Israel, tirando o Jordão, não há rios, são mais ribeiros do que rios?
Nós temos vários ribeiros pequenos, mas não muitos e temos três aquíferos de água doce em Israel que usamos. Temos também as centrais de dessalinização, que é uma coisa bastante recente.
Centrais de dessalinização fornecem mais de 50% da água, não é?
Chega quase aos 90%.
Portanto, quando estive em Israel é provável que a água da torneira que eu bebia fosse água do mar?
Sim.
E é água de qualidade?
É água de uma altíssima qualidade. Agora em Israel há uma lei que define qual é o destino adequado da água. Há parâmetros diferentes para a irrigação, para uso doméstico, para uso industrial, há vários níveis de qualidade. A água para beber é de muito alta qualidade, eu próprio bebo água tirada diretamente da torneira. A minha mulher está sempre a zangar-se comigo porque temos água filtrada em nossa casa, mas eu gosto do sabor da água que sai da torneira.
Há quantas centrais de dessalinização?
Temos cinco.
Com tecnologia israelita?
Sim.
Em termos de recursos energéticos, a dessalinização é um grande consumidor. É esse o principal problema da tecnologia que transforma água do mar em água doce?
Sim. Na verdade, toda a indústria da água em Israel consome 15% da energia produzida em Israel. Portanto, é uma fatia muito grande de energia que é consumida.
Diz que a água tem qualidade, é bebível, mas em termos de preços, a água da rede pública é cara?
Não. Depende a quem perguntar, a população diz sempre que é muito cara, mas é de acordo com o número de pessoas de cada família. Por exemplo, se tiver quatro pessoas numa casa, tem uma determinada quota de água que tem um preço muito baixo. Se essa quota for excedida existe uma penalização que é traduzida pelo aumento do preço.
Portanto, os preços estão adaptados ao tamanho da família e desincentivam o desperdício?
Sim. Com os pacotes de preços consegue-se controlar mais e fazer as pessoas pensarem duas vezes na água que usam.
Ou seja, estão a usar o preço também como meio de educação ambiental das pessoas?
Sim.
Em relação à reutilização dos efluentes, ouvi na sua apresentação aqui em Lisboa que cerca de 85% da água utilizada na agricultura tem essa origem. Este é um número que continua a crescer?
Sim. Esperamos chegar aos 90% nos próximos anos. A quantidade de energia necessária para extrair as águas restantes é muito elevada, assim, provavelmente chegará aos 92% ou 95%, mas não mais porque os 5% restantes são demasiado caros para produzir. Quase todas as fábricas ou agropecuárias têm um dispositivo de tratamento de águas residuais. Todas as cidades com estações de tratamento de águas residuais, todas as fábricas são obrigadas por lei a ter esse dispositivo. Um dos maiores problemas na região norte de Israel são as vacas, porque os resíduos dessas explorações são terríveis em termos de poluentes como a amónia que estão na água. De vez em quando há enganos e descargas para um dos cursos de água em Israel e essas águas ficam poluídas.
Este sucesso de Israel no que respeita ao uso dos magros recursos de água deve-se principalmente à tecnologia criada? Desde a criação do Estado de Israel têm investido na tecnologia em muitas áreas, mas especialmente nesta.
Sim. A gestão da água une muito os israelitas. Nós tivemos de enfrentar este problema, não tínhamos muitas opções, pois se não houver água, não há vida, não há comida, não há nada. Portanto, tivemos de pensar de forma mais inteligente e com fundos do governo e o apoio de muitas empresas diferentes, atingimos um nível de uso e de aplicação da água muito eficiente. A tecnologia é um componente chave nessa solução. Sempre que existe uma nova tecnologia, por exemplo, uma empresa de irrigação introduziu uma novidade nos seus produtos e, agora, os agricultores podem abrir e fechar as válvulas a partir de suas casas. Reúnem-se os dados e depois temos a inteligência artificial a tornar a irrigação mais eficiente – sabe que durante um certo período é necessária mais irrigação do que noutro. Assim, pode-se otimizar o processo de irrigação.
Existe a ideia de que foi em Israel que se inventou o sistema de rega gota a gota para a agricultura. Essa é mesmo a primeira grande inovação de Israel no que respeita ao uso científico dos recursos hídricos na agricultura?
Penso que sim, porque se olharmos para o resto do mundo – estive a falar sobre isso com o embaixador de Marrocos, que assistia à conferência – estão a usar a rega por canais, o que significa que estão a perder muita água.
Por evaporação?
Sim, por evaporação e por se perder no solo. Sabemos há muito em Israel que a rega gota a gota é direcionada diretamente para as raízes da planta e assim perde-se muito menos água.
Esta é uma tecnologia que Israel exporta ainda hoje?
Sim.
Mencionou o fornecimento de água à Jordânia, país com o qual Israel tem relações diplomáticas há décadas, tal como com o Egito, e recentemente o país assinou tratados também com outros países árabes, como Marrocos. Mas a relação histórica conflituosa com os palestinianos, complicada, passa também pela partilha da água. Há alguma cooperação nessa matéria com a Autoridade Palestiniana?
É uma questão muito delicada, porque Israel tem realmente vontade de os ajudar, mas infelizmente quando nos reunimos com os ministros palestinianos do Ambiente, várias vezes com delegações diferentes, debatemos problemas mútuos e precisamos de nos ajudar uns aos outros. No entanto, devido a questões políticas e religiosas, eles não querem a nossa ajuda. Nós fornecemos-lhes água, mas eles não a querem usar. Por exemplo, temos muitos problemas na região onde eles não têm tratamento de águas residuais e a água que vem das aldeias deles corre para aquíferos de água pura e reservatórios. É um enorme problema que nós queremos resolver.
Mesmo quando os Acordos de Oslo geravam entusiasmo, não havia uma verdadeira cooperação?
A princípio houve. O povo israelita ficou muito desapontado porque nós queríamos realmente a paz, queríamos viver calmamente, gozar a vida, tomar um copo com os amigos… Nós temos muita população árabe, temos muitos colegas, amigos, estudantes e professores.
Na região onde está localizado o vosso centro educacional há muitos árabes israelitas?
Sim. Eu nasci na pequena cidade de Carmiel na região norte de Israel e eles vinham das pequenas aldeias em redor para a nossa cidade para trabalhar ou fazer compras e vice-versa. Eu tinha muitos amigos árabes com quem combinava fazer coisas em conjunto. Por exemplo, há uns anos eles tiveram um problema numa das aldeias pois houve uma inundação num dos campos que ficava num socalco na encosta que colapsou devido à força da água. O meu irmão e eu fomos lá para ajudar a reconstruir.
Quando se fala no perigo de guerras por causa da água vemos que há por vezes atritos entre a Síria e a Turquia por causa dos rios Eufrates e Tigre e recordo-me que quando a Etiópia estava a construir uma barragem enorme, o Egito, que nem sequer é um país vizinho, estava muito preocupado com o caudal do Nilo. No Médio Oriente se não houver cooperação entre países, a falta de água pode vir a ser um verdadeiro perigo?
Receio que sim. Essencialmente porque se não houver água as pessoas não podem viver. Não queremos tumultos, não queremos ver repetido o que aconteceu no Egito com a Primavera Árabe, que aconteceu há poucos anos, não queremos essa instabilidade nos países. A Jordânia é um grande exemplo. Porque Israel, segundo os acordos de Oslo, apenas tem de entregar 50 milhões de metros cúbicos [de água] por ano e estamos a fornecer 100 milhões. Isso porque compreendemos que sem água a Jordânia não consegue ter estabilidade interna.
A cooperação não está a funcionar com os palestinianos, mas está a funcionar com a Jordânia?
Com a Jordânia está a funcionar muito bem. Nós assinámos um acordo há poucas semanas de colaboração entre Israel e a Jordânia. A Jordânia vai construir uma enorme fábrica de energia numa zona do deserto deles e Israel vai fornecer a água. Vamos, portanto, fazer uma troca, eles fornecem-nos energia e nós fornecemos-lhes água. Vai ser uma enorme colaboração. Agora, com os Acordos de Abraão que foram assinados há um ano e pouco, temos muita colaboração nova. Um dos meus colegas mandou-me um novo acordo que temos com os Emirados, o que é uma oportunidade gigantesca. Como seres humanos, deixando de lado a religião e a política, as pessoas querem viver em paz e prosperar. Se conseguirmos pôr de lado essas coisas e compreendermos que temos seres humanos à nossa frente, então conseguimos colaborar. Por exemplo, uma das minhas estudantes faz voluntariado em diferentes delegações da ONU em África, para a construção de pequenas instalações de tratamento de água que precisam de muito pouco consumo de energia para funcionar em pequenas aldeias africanas.
Israel é líder mundial na tecnologia da água e ajuda outros países?
Sim, mas nós fazemo-lo discretamente, porque não queremos publicidade. Se os políticos desses países sabem que os projetos têm tecnologia israelita, já não a usam.
Fazem-no discretamente, portanto?
Sim. É um segredo conhecido [risos].
Como é que as alterações climáticas estão a afetar Israel? Há sinais de que isso esteja a acontecer?
Em Israel não sentimos demasiado. Se olharmos para a temperatura média do verão por exemplo, vemos que não tivemos temperaturas extremas neste verão, ao contrário do ano passado em que tivemos muito mais. Ainda não sentimos muito os efeitos das alterações climáticas.
Israel já está numa região tradicionalmente muito quente…
Sim. O país está a preparar-se para essas ocasiões. Por exemplo, eu vivia em Haifa até há dois meses e fui a um kibutz perto do Mar da Galileia e lá há rotas de fuga perto da costa, no caso de haver um tsunami, porque espera-se que o nível da água suba com o aquecimento global, por muito que ninguém pensasse que podia acontecer um tsunami no Mediterrâneo.
Para si, como israelita, falar do mar da Galileia ou do rio Jordão faz parte da geografia, mas para os leitores portugueses esses são também nomes bíblicos, muito mais do que uma realidade geográfica. O Mar da Galileia e o rio Jordão estão sob ameaça devido ao uso excessivo?
Não. Na verdade, o Mar da Galileia é monitorizado diariamente. Temos um laboratório flutuante no meio do Mar da Galileia que retira amostras que são examinadas todos os dias. Eu mando os meus estudantes para os acompanhar durante um dia inteiro e há uma autoridade que é responsável pela saúde do Mar da Galileia. O mesmo acontece com o rio Jordão. Tal como já disse, a parte norte do rio Jordão está em ótimas condições, mas o sul está menos bem devido ao fecho da barragem. Quando o projeto do novo canal nacional estiver completo – espera-se que em 2030 -, aí poder-se-á reencher a parte sul do rio e depois o Mar Morto.
Esse projeto implica usar água do Mediterrâneo para o Mar da Galileia e daí para o rio Jordão…
E depois para o Mar Morto. É um projeto gigantesco. Há poucos anos nós tínhamos um projeto enorme para construir um canal que ia desde o Mediterrâneo até ao Mar Morto, que forneceria a água para rega e com planos hidroelétricos para o fabrico da eletricidade. O Qatar estava disponível para financiar o projeto que seria vantajoso para toda a gente, mas caiu devido às relações políticas entre Israel e os palestinianos.
Portanto, sem um verdadeiro acordo de paz, mesmo algo tão essencial como gerir os recursos hídricos não conseguirá ser resolvido?
Sim, mas no fim continua a haver uma grande quantidade de atividades mútuas que passam discretamente até que alguém comece a falar delas e comece a fazer muito barulho, mas Israel tem vindo a ajudar as suas regiões fronteiriças desde há muitos anos.
Fonte: DN PT.